terça-feira, 28 de outubro de 2008

Um copo vazio.


- Aceita mais um drink senhor?
Ele olhou para o bar man um rapaz de aparência jovem, físico de quem pratica academia ou algum esporte, barba por fazer, aparentava ter uns 25 anos no máximo.
- Você tem esperança meu amigo?
- Desculpe senhor, não entendi a pergunta. Perguntou se tenho esperança ou se tenho algum drink com nome de esperança?
- Esquece amigo, pode me trazer mais uma cerveja.
O garçom sem entender muito foi buscar outra cerveja, não se assustou com a pergunta do homem, trabalhava a tanto tempo como bar man que estava acostumado com as mais inusitadas situações. O homem então, até agora desconhecido para o garçon, para você que lê e para mim que tento de uma maneira pouco dotada descrever tal situação, peço-lhe desculpa pela minha intromissão prometo que foi primeira e única. Voltando então ao homem, estava sentado ao lado do balcão, vestia um terno velho por cima de uma camiseta branca sem estampa alguma, dessas extremamente baratas, um jeans escuro quase em tom desbotado, calçava sapatos não muito velhos nem muito novos, na realidade era mais um homem qualquer dentro do bar, todos os homens ou mulheres são apenas mais um qualquer dentro de um bar, isso na visão do bar man, e me arrisco a dizer na visão de quem está lá também. Do seu lugar ele encarava a prateleira repleta por garrafas de bebidas de todas as cores, formatos e nomes estrangeiros, algumas ele reconhecia, algumas ele já experimentara e outras ele apenas reconhecia o nome russo, alemão, inglês. Atrás do balcão tinha uma geladeira daquelas antigas, que vinham com uma espécie de alavanca na porta usada para abri-la, a porta era repleta de adesivos de bandas, rádios, lojas, marcas, mal dava para saber a cor dela, ao lado da geladeira tinha uma espécie de janela que ligava até a cozinha, de vez em outra as cozinheiras passavam de um lado para o outro. Era um bar bacana e tinha a cerveja barata, na realidade sem companhia qualquer bar se torna bacana desde que tenha cerveja barata, mas aquele em especial tinha cerveja barata e tocava musica agradável, então nosso homem desconhecido se sentia menos solitário sentado na beirada do balcão.
- Aqui está sua cerveja senhor.
- Obrigado, se não for muito pode me arrumar um cinzeiro?
- Claro senhor, um minutinho.
O homem desconhecido então retira de seu bolso uma carteira de cigarros um pouco amassada nas beiradas, abre e puxa um com a boca, deixa a carteira em cima do balcão e acende o cigarro com os fósforos que acabara de retirar do outro bolso do palito. Fica então fitando o garçom indo e voltando depois com o cinzeiro em mãos.
- Aqui está senhor.
- Obrigado.
Por um momento ele sentiu intensa vontade de conversar com o garçom, sobre qualquer coisa, musica, livros, filmes, mulheres, amores, vida, mas manteve-se calado, há tempos não puxava conversa com ninguém, há tempos não sabia o que era ter uma conversa espontânea, encontrar sua mente em outro corpo, então desiste da ideia dando mais uma tragada no seu cigarro. A sensação de relaxamento que o tabaco proporciona começou a fazer efeito, ele se acalmou e começa a prestar atenção na musica tocando, era Chico Buarque, nada mais digno para um meio de noite de uma terça-feira qualquer. Logo o homem desconhecido começou a olhar para os lados, à procura de um rosto conhecido, algo difícil de acontecer posto que não tinha muitos amigos na cidade, pensando bem teve poucos amigos na vida. Avista dois amigos jogando sinuca, ambos jovens com jeito de universitários, sorrisos atoa, cabelos curtos e toda jovialidade disponível para aqueles que a vida foi mãe e não madrasta, nos sofás de canto um grupo de pessoas conversando e rindo bem alto, pareciam ser amigos há anos, então ele se lembra que já teve um grupo assim a muito tempo atrás, aquela nostalgia rápida arranca um pequeno sorriso, sorriso que dura pouco tempo, e nas mesas de centro uma garota sentada sozinha, cabelos bem pretos e lisos que reflectiam um pouco da luz do local, pouca maquiagem, pele extremamente branca, digna de pessoas noturnas, boêmias, estava fumando também, estava fumando de uma maneira extremamente elegante, tinha o cigarro em mãos e o cotovelo apoiado sobre a mesa, com a outra mão mexia no celular, deveria estar esperando por alguém, pelo namorado, affair, encontro, amigos. Ela então, ao perceber que ele a fitava com os olhos escondidos atrás de um par de óculos que pela aparência eram de grau bem elevado, direcciona-lhe um meio sorriso que misturava uma expressão de decepção com um olhar de "eu já esperava". O então homem desconhecido sente uma imensa vontade de se aproximar da garota, que aparentava ser uma garota bem interessante além de ser bonita, sabia que aquele sorriso era um sinal verde para uma possível aproximação, não era nenhum dom Juan mas conhecia alguns sinais femininos. Nunca foi lindo e nem atraente, mas teve alguns casos, sabia que era interessante e que tinha um bom papo, para certo tipo de mulheres, que na sua juventude costumava chama-lo de publico alvo. E aquela garota ali sentada aparentemente se encaixava nas qualidades que tais garotas tinham, se fosse conversar com ela no mínino teriam uma noite descontraída, com assuntos interessantes, risadas, coisas em comum, iriam criticar algum escritor famoso e falar mal do diretor aclamado na midia por fazer filmes com cenários psicodelicos, cantariam trechos de alguma musica do Chico ou Los Hermanos, trocariam emails então iriam embora encantados um pelo outro. Ele chegaria em casa e iria direto para o computar adiciona-la no MSN, logo que sua janela subisse ele colocaria a sua melhor foto na janelinha, ouviria alguma coisa que ela citou que gostava, os assuntos teriam um recomeço, agora cada um no seu pequeno mundo, ela mandaria uma musica para ele, ele mandaria um video para ela, ela colaria trechos de seus autores preferidos para ele ler, ele comentário sobre seus filmes preferidos, ela iria oferecer chá, café ou suco para ele via MSN, ele iria contar que sabe se virar bem na cozinha, ela iria se auto convidar para experimentar, ele convidaria ela para jantar no apartamento dele, ela iria dar uma gargalhada na frente do computador ao ler o convite, ele iria rir sozinho ao ver que ela aceitou, ela comentaria que estava quase amanhecendo e tinha que dormir, ele estava morrendo de sono na frente do PC mas era cortes e não dormiria antes dela, ela diria tchau e desejaria bom resto de noite, ele marcaria o dia do jantar, ela confirmaria, eles ficariam offline, ela iria ler o registo da conversa e passar o mouse em cima das partes "fofas", ele iria ler também para ver se não tinha cometido nenhum erro, eles dormiriam no mínimo encantados. Ele já tinha vivido aquilo algumas vezes, e gostava demais dessa parte, da descoberta. Mas também sabia que isso duraria dois, ou com muita sorte, três meses, depois viriam as primeiras brigas, os primeiros desentendimentos, brigas por coisas banais, a relação começaria a ficar gasta, ela começaria a trata-lo com aspereza, ele começaria a ficar mal humorado na presença dela, ela faria coisas para irrita-lo, ele começaria a ficar distante na presença dela, ela começaria a falar coisas que indirectamente o magoariam, ele começaria a trata-la com indiferença, ela iria se encantar por outro alguém, ele terminaria com ela, eles nunca mais se falariam, e ele voltaria a sentar ali, na mesma mesa de bar, fumando o mesmo cigarro amargo e bebendo a mesma cerveja barata. As coisas com ele sempre aconteciam da mesma maneira, talvez fosse ele, talvez a vida, ou Deus, ou ele fosse apenas um ser sem sorte.
Então após um momento ele para e da uma forte tragada no seu cigarro, ajeita seus óculos e retribui o sorriso para a garota. Vira-se para o balcão e chama o garçom.
- Sobre a esperança, esquece que pedi e me trás outro copo de solidão.

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