domingo, 10 de abril de 2011

Meu nome é...

Ele chegou quieto, suave, sem atrair para si a atenção dos outros que ali estavam, estava cansado de tudo e de todos, só queria naquele momento fumar um cigarro e acalmar a sua mente, mente agitada, mente em guerra, mente que viaja de maneiras excêntricas pelos oceanos mais longínquos, mas que sempre volta para a mesma ilha deserta ou como ele mesmo a chama com carinho e ódio, seu lar. Mostrou sua identidade para o mesmo segurança de sempre, um homem negro de meia idade com porte físico de um armário, terno inteiro preto, típica característica de um segurança. Ao entrar logo reconheceu a musica que ali estava tocando, Black Star do Radiohead, nada mais digno para aquela época que estava vivendo. Após toda cerimônia de entrada foi logo subindo as escadas à sua direita indo em direção a parte mais importante do lugar, o bar, pediu sua cerveja preferida e notou que alguns dos garçons eram novos ali, nunca os tinha visto antes, a dona do estabelecimento deve fazer um rodízio de funcionários com uma freqüência curta, ou os próprios funcionários não ficam muito tempo nesses empregos temporários, não é digno para ninguém, mas também não é nada vergonhoso, tirando as prostitutas e os viciados não conheço ninguém que sinta prazer em trabalhar. As paredes continuavam intocáveis, coloridas com um ar psicodélico, com toda atmosfera artística e jovial, um mundo onde a insanidade é vista como algo lindo, entre aquelas quatro paredes existia a liberdade, chega a ser irônico e cômico isso, não acham? Se sentir livre estando preso dentro de um lugar. Logo foi se sentar para desfrutar da sua cerveja, infelizmente não pode acender um cigarro, pois havia uma lei que proibira fumantes de se deliciarem dentro de estabelecimentos, gozado achou porque não existiam leis que proibiam as pessoas de serem atacadas diariamente com poluições sonoras, diversas formas de alienações, controle da mente, dos desejos, dos sonhos, ninguém proibia as pessoas de sofrerem, ou de passarem fome, mas proibiam de fumar. Sentou-se e logo começou a tocar outra musica que de certa maneira fazia parte dele, mais animada dessa vez, tão animada que começou a acompanhar o ritmo dela batendo o pé direito no chão, gesto que todo mundo faz quando a musica é boa, e no refrão sussurrou baixinho:

Young gal you done me bad and I went and did ya wrong
Oh man
Young gal you done me bad so I went and did ya wrong
Then I got high
Lord I got high

Logo as pessoas começaram a chegar e o lugar começou a tomar uma cara de casa noturna, aquele ar de bar, mesas vazias e corações solitários foram sumindo e dando espaço para vozes altas, pessoas bem vestidas, mulheres sorrindo alto e amigos falando e falando sobre diversos assuntos, ao mesmo tempo em que estão caçando com os olhos qualquer possibilidade de não saírem daquele lugar bêbados e sozinhos no final da noite, na verdade o bar solitário virou mais uma selva aonde os macacos vão à caça, porem isso não o incomodou em coisa alguma, pelo menos ali a musica é boa, as pessoas fingem gostar de coisas interessantes, e no fundo no fundo todos ali procuravam o que todos os seres humanos procuram fugir da solidão. E ele? Será que é mais um também que procura fugir da solidão? Isso ele não sabia responder para si mesmo, estava há tanto tempo só que não tinha a mínima idéia de como era o gosto da companhia, como era não ser só, tanto amorosamente como socialmente, tinha perdido as esperanças em ambos os tipos de companhia, na verdade os obstáculos da vida e a categoria de pessoas com quais se envolveu no decorrer dela não ajudaram muito na formação de um sentimento importante, confiança. Porem logo repeliu para longe esses pensamentos, queria beber, queria ficar embriagado e assistir a banda, a musica é a única coisa que salva, que da gosto a vida, que trás sensações boas, ainda mais quando outras coisas estão circulando dentro do seu organismo. Levantou-se e foi logo pegar mais uma cerveja, ao chegar no bar reconheceu um olhar antigo, semi cerrado juntamente com uma voz que já ouvira em outros carnavais, em outras galáxias não tão distantes, poucos segundos de troca de olhares, de imaginações, de possibilidades, de duvidas e incertezas, devaneios mesmo, desses que acontecem quando um olhar em duvida encontra um olhar perdido, mas não durou muito, nada dura muito, pegou sua cerveja e se dirigiu a parte de fora do bar para fumar seu cigarro, para ter consigo a primeira companhia honesta e sincera da noite. Lá fora estavam vários grupos a fumar, falar, sorrir, fingir, principalmente fingir, as pessoas gostam de fingir ser algo que não são, de falar que gostam de coisas que realmente não gostam ou nunca viram, como se toda noite fosse um baile de mascaras, como se criassem um personagem toda noite para sair, mas ao chegarem em casa as mascaras caem e as fantasias são tiradas, e quando isso acontece o que elas sentem? O que se passa na cabeça delas ao olhar no espelho e ver que não são nem 10% desses personagens que querem ser? Acendeu seu cigarro e deu a primeira tragada com tanto prazer e felicidade, um pedaço de câncer a mais, um prazer a mais. Mas logo todo o ritual que estava acontecendo até o momento foi interrompido:
- Me empresta o fogo.
- Claro.
Obrigada, esqueci o meu na outra bolsa.
- Você é daqui?
- Sim, você não é?
- Não, sou de outra cidade.
- Hm, veio sozinho aqui?
- Sim.
- Que louco, sair sozinho, eu não teria coragem.
- Por quê?
- Sei lá, é estranho sair sozinha, me sentiria perdida, triste, desamparada, sei lá.
- E quem disse que nesse momento não estou me sentindo assim?
- ahhahahaha
- Mas também estou me sentindo encantado, livre, bem, não estou só, tenho o cigarro, o álcool, a musica, minha mente, depende da maneira como você interpreta companhia.
- Companhia são pessoas, coisas são coisas.
- Você criou esses valores, logo são seus, para mim um cigarro pode ser um grande amigo e confidente.
- É meio mórbido, distante, intocável, dar valores as coisas, como se as pessoas não existissem, as pessoas existem e a elas devemos atribuir tais valores, tais sentimentos, você não vai rir com um cigarro ou chorar por ele.
- Mas você pode rir com um filme, chorar com ele.
- Filmes são pessoas.
- Errado, filmes são personagens, sonhos, ilusões, fantasia, filmes são como drogas que te trazem sensações que na realidade não existem.
- Existem sim, só porque você nunca as experimentou, não significa que elas não existam.
- Para mim não existem, e é isso que importa, o meu mundo sou eu e nele isso não existe, é fantasia.
- Que frio isso que você disse, não pode ser, você não tem família? Mãe, irmãos? Nunca amou? É impossível você nunca ter experimentado nem que seja um quinhão de algo que tenha vindo de um ser vivo, outra pessoa.
- já tive tudo isso, passado, o que se passa deixa de existir, existiu é fato, mas hoje não existe mais.
- então não seja radical, nenhum homem é uma ilha, ainda mais homens interessantes. Na verdade isso não passa de uma artimanha sua, esse ar distante, esse papo todo sem esperança, sem amor, sem vida, toda essa melancolia, é tudo uma artimanha, uma malandragem.
- Cada um caça com as armas que tem, se essas são as minhas não irei poupar de usá-las, e obrigado pelo interessante.
- Haahahahah! Pare de se lamber como um gato todo arrogante, foi um elogio sincero, mas posso mudar minha opinião agora mesmo, e como você mesmo disse, ela deixará de existir.
- Você vem e me elogia e depois me ataca, o que está querendo?
- Não estou querendo nada, o que eu queria já tive, o fogo emprestado.
- Não seja hostil, me desculpe se reagi mal ao seu elogio, mas isso não vem ao caso, estamos falando de coisas maiores que eu e você, estamos falando de sentimentos, de pessoas, comportamento, coisas que fazem parte do universo noturno mas ninguém presta atenção.
- Ninguém presta atenção porque estão preocupados em viver, você presta atenção nisso porque deve passar sua vida mais assistindo que vivendo, isso que você é um espectador da vida, não da sua claro.
- Com que garantia você diz isso? Como sabe que não vivo? O que seria “viver” para você?
- Viver é se entregar, se deixar levar, aproveitar todas as oportunidades, sugar tudo que a vida te da ao máximo, e não ficar observando, julgando, apontado defeitos e falhas, achando que todos estão errados.
- Quem disse que eu sou assim? Quem disse que eu julgo? Eu pouco me importo com aquilo que as pessoas fazem, falando em um português claro e simples, eu-estou-pouco-me-fodendo para todo mundo, porem isso não me impede de criticar, rir, às vezes até gostar do que estão fazendo.
- Hmmm, agora eu gostei, admitiu que nem só de criticas ruins você vive.
- Claro, tem dias que me sinto bem ao estar ao lado delas, assim como elas devem gostar de ficar ao lado de seres intocáveis, inalcançáveis como eu sou.
- Você é muito egocêntrico, megalomaníaco ao extremo, em 10 minutos de conversa, um cigarro de conversa, eu já conheci você quase que completamente.
- E gostou do que conheceu?
- Não.
- Duvido.
- O que você diabos acha que é?
- Não acho nada, apenas sou, no fundo gosto das pessoas, gosto demais delas e por isso me preocupo, queria mudar a vida delas, fazer delas pessoas melhores, mais humanas, menos hipócritas.
- Você generaliza demais, eu sei que o mundo está repleto de gente ruim, gente nojenta, asquerosa, mas também existem pessoas boas, amáveis, pessoas querendo fazer a diferença, você é assim, consigo sentir isso em você, só que deixou a esperança morrer, esvanecer, sumir, deixou de acreditar no ser humano, você olha para todos como se estivesse em um zoológico visitando os macacos, rindo deles e com eles, acenando e se divertindo de uma maneira cruel.
- Não é bem assim.
- Claro que é, olhas as coisas que você falou até agora, teu olhar de desprezo e arrogância, você se acha melhor que eles mas é igual ou talvez pior.
- Por que eu seria pior?
- Porque pensa que é maior. Não existe maiores e menores, cada ser é único e livre para ser da maneira que quiser.
- Concordo exatamente com você, cada ser é livre para agir e pensar da maneira que quiser, eu defendo isso! Mas olhe em volta, acha que alguém aqui está fazendo isso? Sendo livre, sendo sincero, honesto consigo mesmo? Ou será que estão apenas buscando algo que não são, buscando coisas que nunca terão, como um burro que anda kilometros achando que vai comer a cenoura que o cara em cima dele amarrou na corda.
- Aí é outra historia, se eles são ou não felizes, ou verdadeiros consigo mesmos ou quaisquer que seja o sentimento é problema deles, cada um deve buscar a paz para si mesmo, os outros são os outros e só.
- Agora quem está sendo egoísta é você.
- Tenho esse direito também, não é algo unicamente seu “ senhor espectador “.
- Concordo com você.
- Já fumei dois cigarros aqui nessa conversa maluca, vim para beber e dançar, mas não foi de todo ruim esse papo com você, vou entrar e achar minhas amigas nos vemos lá dentro.
- Ok, nos encontramos lá dentro.
- Qual seu nome?
- Meu nome é ...

continua...