segunda-feira, 4 de março de 2013

Manhã

Ao acordar não sabia mais que dia era, ano ou mês, deixou de perceber essas mudanças triviais aceitas pela colméia como maneira de controle de tempo e espaço, contava seu tempo e espaço pelo sono raro. Para os dias que conseguia dormir com a ajuda do alcool tinha ali uma vitoria particular, sabia que o sono e cansaço tinham vencido a ideia de abandono fisico da realidade, pois o abandono consciente já era presente há tempos, assim como as estrelas são presentes para a noite e os pássaros para as manhãs. Sua caverna tinha o cheiro do mofo e da falta de ventilação, quem precisa de ar fresco? Quem precisa de luz do sol entrando pelas janelas? Quem tem necessidade quase que paranóica pelo aroma trazido pelo vento das plantas que estão lá fora? Preferia o cheiro abafado mesclando sutilmente suor, cigarro, o cheiro que vinha das latas vazias de bebida, da sujeira intrusa que vinha em seus sapatos das raras vezes que resolvia sair e ver as engrenagens rodando caoticamente equilibradas. Pegou mais um cigarro da carteira levemente amassa no meio, puxou e acendeu com seu isqueiro pequeno e vermelho quase em tempos de ser substituído, interessante saber que somos como isqueiros ou copos, pratos, tapetes, temos um tempo de utilidade para todas as coisas que fazemos e quando esse tempo espira rapidamente somos substituídos por algo mais novo, mais atual, mais encantador. Ao entrar na cozinha logo percebeu que não poderia adiar a limpeza da sua pia, os copos e talheres limpos já não existiam, tudo estava sujo com pedaços de massas ainda cobertos com a cor avermelhada do molho de tomate, abriu a geladeira e uma luz forte partiu de dentro dela iluminando o quase vazio, alguns recipientes coloriam minimalisticamente o interior gelado. Pegou uma garrafa de água para saciar a sede presenteada pela ressaca, a manhã após uma ressaca sempre foi subestimada, sempre lembramos de noites épicas ao embalo do álcool, ou no meu caso de como o álcool espantou a solidão permitindo-me um falso instante de alegria na minha própria companhia, mas nunca lembramos daquelas manhãs quando acordamos com o corpo dolorido, boca seca, dores e mais dores de cabeça, nunca lembramos da fragilidade do corpo e do ato singular de tomar conta de si mesmo em casos assim. Manhãs sempre são bonitas, temos os pássaros, o sol nascendo e pela janela podemos ver a colméia iniciando seu dia de trabalho, podemos ver as maquinas sendo ligadas para mais um dia, a certeza é que cada um na noite anterior teve sua dose de algo entorpecente, do contrario não teriam forças para agüentar mais um dia, sabemos que um por um todos usamos algo para evitar o ato de desconectar-se definitivamente, cada qual com sua fonte de energia e sua fuga espírito/corporal, acordamos para manter o equilíbrio do cosmo, fecha a garrafa d’água e volta a se deitar.

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